Atrás das cortinas, sento num palco
defronte com nenhuma platéia.
O espetáculo terminara há dias,
mas eu tenho continuado sentado aqui
por todos os que se passaram.
Imóvel, tinha me proposto à dependência
às custas de um mero prazer psicológico,
também com o argumento de querer poder explicar
como é absorver o sentimento,
aos que não o sentem.
No entanto, logo após o término
do efeito químico,
me senti tão vazio e frívolo
que tinha me tornado incapaz de redigir
sequer uma nota de geladeira.
Naquele dia, longe deste,
tinha acordado cedo e explicado
a quem quisesse ouvir, ou a quem
indagasse nojentamente a minha situação,
o porquê do meu vício.
Desde então, tenho continuadamente
aguardado o meu retardo forçado
recobrar-se ao estado pleno de pessoa sã
para, só depois de vários ciclos,
aperceber-me de algo notório.
Tinha descoberto que,
para explicar o tão temido efeito,
teria de retornar à posse do meu vício
e sentir tudo outra vez,
pois não conseguia lembrar de nada.
Mesmo assim, tenho também buscado soluções
que de todo não funcionam,
para poder seguir viciado
e enganar aos outros
com o álibi de estar tentando.
Afinal, sempre que preciso pensar,
recorro ao meu vício na esperança
de que ele me carregue a lugares inatingíveis
quando se vive com os pés firmes
e fincados num chão de concreto.
Porque, de verdade,
vicioso é ter que sustentar um vício
por tanto tempo. Neste palco abandonado,
aqui sim é do balacubacu. Tem que aprender
a dançar conforme a música.